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sábado, 14 de março de 2015

Enfim sós - Uma tragicomédia clownesca

Está no ar o blog sobre o processo de montagem do nosso próximo espetáculo, "Enfim sós - Uma tragicomédia clownesca". 

Foto: Natasha Mota


Para acompanhar basta acessar http://espetaculoenfimsos.blogspot.com.br/

Aqui, neste blog, também teremos notícias sobre o trabalho, mas o intuito do novo blog é registrar e compartilhar o processo de pesquisa sobre a composição do espetáculo e a arte do palhaço, bem como os frutos desta experiência artística.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Giovanna Zottis

Agora é a minha vez de falar sobre esse processo: o M.E.U. Umbigo! E tentarei aqui, caro leitor, ser o mais clara possível. Mas, confesso que já estamos há tanto tempo mergulhados neste nosso Umbigo, que temo estar falando umbiguês como se fosse português.

Já há algum tempo o Trilho manifesta a vontade de ir para a rua. Na época de “A Decisão” chegamos a comentar sobre a impossibilidade de ser esse um espetáculo de rua e sobre as características que pensávamos que um espetáculo de rua deveria ter. Vieram depois os infantis “O Baú- Lembranças & Brincanças” e o “O Homem Mais Sério do Mundo”, ambos em palco italiano. E, até então, as idas à rua aconteceram em forma de intervenções e esquetes.

No final de 2012, já falávamos que o próximo espetáculo seria de rua (como quem diz: agora tem que ser!). E, ao mesmo tempo que se disse rua, já ouvimos a Carol dizer: eu dirijo (como quem, jogando Rondon, diz: eu pego!).
A temática EGOÍSMO já estava lançada e a palavra UMBIGO já cercava nossas mentes, ainda que incertos de que esse seria o nome.



Em 2013, começamos os nossos E.U.  (abreviação que usava na minha agenda para marcar os dias de Ensaio do Umbigo). Esta abreviação também chegou a ser cogitada como nome para a peça e ainda houve diversos desdobramentos sobre o que poderiam significar essas duas letras... tantos, tantos e tantos que chegamos até em Esquizofrenia Urbana (?) - sem que esse fosse seriamente cogitado.

Olhos atentos pelas ruas, para falar dos egoísmos coletivos, tão claramente presentes nas grandes cidades. Olhos atentos no grupo para perceber e apontar os nossos egoísmos. E o mais difícil, olhos atentos aos nossos umbigos, para se auto perceber e aceitar os apontamentos.

E começamos assim, sempre após Esticar os Umbigos (referencia as sessões de alongamento), e após a meditação do coração, trazendo para as improvisações essas nossas observações.


Desde então, muita coisa aconteceu para que chegássemos a essa proposta que está agora prestes a estrear. Estamos todos grávidos, chegando ao final de uma longa gestação, com dores, inchados e cheios de expectativas. Por vezes querendo que nasça logo, por vezes querendo segurar o máximo que der dentro da barriga, com medo de tudo que virá após o nascimento! Quero um parto humanizado, e respeitar o tempo necessário para se fazer o corte do cordão Umbilical! Sabendo que o nascimento é o primeiro passo, estou contando com os amigos para um crescimento saudável e com o retorno do público, para que assim o espetáculo seja lapidado.


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Gabriel Gorski

Olá, meu nome é Gabriel Görski da Rocha, tenho 25 anos e estou sem fumar a 5 minutos. Obrigado.

Agora que a gente já se conhece um pouco eu tenho que escrever aqui o meu ponto de vista do processo do espetáculo Umbigo. Primeiramente, já me desculpando, é muito difícil pra mim me expressar escrevendo, geralmente o meu vocabulário diário é composto de 10 palavras que usadas com entonações diferentes dão conta de todas as situações cotidianas, mas enfim, vou tentar...

Como músico, já participei de alguns espetáculos de teatro, mas o Umbigo é o primeiro que eu estou participando de todo o processo de criação. Nos outros trabalhos com teatro, sempre fui convidado no final do processo para executar uma parte musical que já tinha sido ou estava sendo criada por outras pessoas. Esse foi um dos primeiros desafios, o trabalho de composição e concepção musical do espetáculo. No meu trabalho musical, sempre foquei na execução, interpretação e improvisação, mesmo quando envolvia composição, era baseada em uma coisa que já existia. O Baiano, por outro lado, já é acostumado a trabalhar com composição, então acho que nosso trabalho foi se complementando com o tempo, até chegar um ponto em que a gente sentava pra compor uma música e ela vinha do inicio ao fim. Essa experiência de criação musical e de como relacionar os momentos musicais com os cênicos, esta sendo um grande aprendizado para mim.



O segundo desafio, talvez o primeiro em nível de dificuldade, é o fato dos músicos estarem em cena. O primeiro ensaio que a Carol falou, “vamo lá, caminhando pelo espaço”, eu pensei, “como assim?! Eu não vou ficar ali sentadinho tocando meu instrumento?” Foi muito difícil conseguir me soltar o mínimo só para poder participar dos jogos e exercícios de atuação, e só de ter conseguido o mínimo, eu sinto que foi uma experiência muito boa para o meu crescimento pessoal. Acredito que se expor sem ter medo de ser ridículo seja uma das coisas mais difíceis pra nós que vivemos em um mundo de imagens e aparências.

Como já falei em uma reunião, uma das coisas que eu admiro nas pessoas do Grupo Trilho, é que todo mundo “trabalha e não se mixa”. Essa experiência de trabalho que não envolve somente a parte artística é uma coisa que eu tenho aprendido muito com as pessoas do grupo e que eu procuro levar como experiência profissional pra mim e para os outros grupos que eu trabalho.

Talvez eu tivesse mais coisas pra falar, mas como eu já to escrevendo nos 45 do segundo tempo e o Fábio já veio me cobrar o texto pelo facebook, vou mandar assim mesmo.
Até mais !

domingo, 18 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Bruna Immich

Em uma de nossas reuniões de grupo o foco era definir qual seria o nosso novo espetáculo. Na conversa, decidimos que queríamos nos aventurar, colocar nosso trabalho na rua e realizar a apresentação do nosso novo espetáculo num local público e sem nenhuma restrição de idade e gênero. Trabalhamos no grupo com a rotatividade na direção e essa foi a vez da Carol. Só que a moça não se contenta com pouco e disse que queria muitos atores para esse espetáculo. Foi onde surgiu o MEU desafio: voltar a atuar. Tive uma resistência inicial a essa proposta devido a MINHA insegurança com o MEU trabalho de atriz que estava há muito tempo adormecido. Entre vários argumentos utilizados pelos colegas para me convencer, tem um que, de tão bizarro, eu nunca vou esquecer: não vai ter luz, é de rua. Topei o desafio, claro que não por esse argumento, mas porque estava na hora de EU ME arriscar um pouco mais.

Iniciamos o processo nos encontrando para ler textos, debater sobre filmes e até ai estava tudo muito confortável, mas foi quando a Carol deu a primeira tarefa de férias que comecei a ter consciência do que vinha pela frente. A tarefa era montar uma cena do nosso ponto de vista sobre o egoísmo. Foi quando a MINHA insegurança começou a agir. Juntei alguns textos que queria utilizar, pensava em várias propostas de cena e nada me agradava. Como eu estava até há pouco com esse relato. Corri para a Carol e ela propôs que fossemos para a sala de ensaio juntas. Posso dizer que, quando apresentei as propostas, a cena foi se construindo conjuntamente e as dificuldades que eu estava imaginando praticamente não existiram, o conflito e a insegurança foram passando e percebi que realmente o trabalho estava só adormecido e me entreguei de corpo e alma para essa pesquisa.



No grupo, como já citado por outros colegas, temos um trabalho colaborativo então além da Carol, durante todo esse processo tive os olhos atentos e as críticas construtivas do Daniel, do Fábio, do Gabriel, da Giovanna e do Sergio, além da Melissa que, volta e meia, está por perto. Essa família Trilho fez com que hoje eu esteja mais segura com o MEU trabalho de atriz.

Se colocarmos no papel o que realmente conseguimos ensaiar, como boa burocrata que sou (risos), nosso processo de sala de ensaio completa 10 meses agora em maio. E, neste tempo, improvisamos muitas cenas até conseguirmos encontrar um norte para dramaturgia. Destas cenas acho que a única que se mantêm é a TV LED que EU amo fazer! E, neste norte, surgiu a ideia de uma cidade fictícia onde todas as pessoas pensam no seu próprio UMBIGO. Ainda bem que é fictícia, não é? Mas uma cidade é cheia de pessoas e no nosso caso, cheia de personagens. E está sendo prazeroso e divertido criar e fazer a Joana, a Carmem, a Janete, o Wellington, o lutador entre tantos outros que povoam esta cidade!


A estreia está chegando, o coração aflito, os nervos à flor da pele, mas tenho certeza de que nosso trabalho está consistente e acredito que estamos prontos para mostrar o nosso UMBIGO.

sábado, 17 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Sergio Baiano

Olá telespectadores, leitores e seguidores do blog do Grupo Trilho! Estou aqui para contar a história da minha vida! Ou pelo menos a parte dela que entra em intersecção com o processo do espetáculo Umbigo. Durante o processo eu usei muito a desculpa “eu não sou ator” quando eu queria que não me exigissem muito de algum exercício, jogo ou improviso que me era proposto e que eu sentia dificuldade. Por uma questão de coerência e unidade, vou dar a mesma desculpa aqui dizendo que não sou escritor. Resolvi então que não me ateria muito a forma da maneira que vou contar, sem me preocupar com um fio condutor ou com os temas se encadeando e coisa e tal. Não por escolha estética mas por falta de técnica e tempo mesmo. Pode ser que fique um pouco confuso, mas creio que o leitor sincero e interessado há de compreender o âmago daquilo que quero transmitir.

Inicialmente a ideia de estar em cena me trazia um certo receio como músico, entretanto eu confiava que com o tempo isto iria se tornar mais natural e eu ficaria menos inseguro, e a perspectiva de ficar menos inseguro me animava. Confesso que minhas dificuldades eram enormes nas dinâmicas e jogos de improviso. Era difícil me mexer, me expor. Mas é muito bom trabalhar com o corpo. Músicos deviam tentar mais isso. Lembro com certa nostalgia das manhãs de ensaio em 2013 ainda no Ferrinho. Iniciavam lentas e preguiçosas, mas quando terminavam eu saia renovado e energizado para continuar o dia.

As vivências dos ensaios do processo de criação deste espetáculo, dialogaram constantemente com processos particulares meus de autoconhecimento que ocorriam paralelamente. A vida para mim é uma espécie de laboratório em que eu posso observar as coisas que me acontecem e a forma como eu reajo a elas, e usar estas observações para compreender melhor a mim e ao universo, e os ensaios eram como uma espécie de laboratório intensivo de vida, pois sempre havia coisas para analisar e observar de mim mesmo.



Desde o início do processo foi estabelecido que como os músicos estariam em cena, teriam que participar também dos encontros e treinamentos com os atores, para ser exercitado a questão de presença cênica, energia do corpo e essas coisas aí que eles fazem. Esta participação seria necessária também para que a gente fosse mais do que só colaboradores que iriam fazer a música depois de o espetáculo já pronto. A experiência de estar participando dos jogos, aquecimentos e improvisos com os atores foi algo que teve um grande valor no meu desenvolvimento pessoal. Estar em grupo sempre é um grande exercício, e estar se expondo e trabalhando com a energia corporal foi algo que certamente contribuiu muito para o meu desenvolvimento pessoal neste período.

Tenho uma certa prática com processos criativos devido a minha graduação em composição em que passei os quatro anos exercitando-o e observando-o, trabalhando diariamente em composições e apresentando o progresso do trabalho semanalmente nas aulas de composição. Entretanto, no  processo do espetáculo Umbigo tive uma experiência nova em dois aspectos: por ser um processo coletivo, e por se estender ao longo de mais de um ano.
Primeira vez que participo de um processo criativo tão longo. Foram aproximadamente 17 meses, desde as primeiras reuniões até a estréia que será neste fim de semana. Um processo criativo é sempre uma aventura por dentro de si mesmo, e este foi especialmente assim por se tratar de um processo coletivo.
 
Pude observar ao longo dos ensaios os meus diversos estados de energia física e psíquica e esta observação foi muito rica para esta minha pesquisa de estar vivo. Alguns dias sentia meu corpo cheio de calor e energia, de forma que não conseguia ficar parado e tinha que ficar pulando ou mexendo o corpo o tempo todo, enquanto em outras ocasiões me movimentar era um grande sacrifício. Da mesma forma enquanto algumas vezes expressões, falas e reações brotavam de forma mais instantânea, outras vezes parecia que havia uma grande barreira invisível entre mim e o mundo  fora dos limites do que pode ser considerado eu.


Acho que a princípio era isso que eu tinha pra falar da minha experiência neste processo, e para concluir quero dizer que não sou escritor, portanto me dou ao direito de não fazer uma conclusão decente.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Fábio Castilhos

Para falar sobre o processo do espetáculo Umbigo, resolvi encarar-me de frente numa auto entrevista.

Fábio: O Grupo Trilho de Teatro Popular está estreando o espetáculo Umbigo, como está sua expectativa?

Castilhos: Estou bastante ansioso. Foi um longo processo, mais de um ano, está na hora desse trabalho nascer. Tivemos momentos de prazer, de criatividade, mas também de crise e dificuldades. Acho que todo trabalho criativo passa por isso, né? E no Trilho o processo é muito importante, essa questão da criação coletiva. Apesar de que nos últimos trabalhos estamos experimentando o que alguns chamam de criação colaborativa, ou seja, cada um tem uma função. Coletiva ou colaborativa, tanto a faz, o que eu percebo é que percorremos um caminho mais tortuoso, mas no fim acho que mais satisfatório também, pois todos os envolvidos estão imbuídos do trabalho, o resultado final tem a cara, e o dedo, de cada um de nós. É um processo criativo e também de aprendizagem, de autoconhecimento. Estamos falando de egoísmo, e não tem como não se confrontar com o seu e repensar suas atitudes.

Fábio: Falando em criação coletiva ou colaborativa, nas funções de cada um, eu sei que neste trabalho tu estás atuando e também como dramaturgo. Como é exercer essas duas funções?

Castilhos: Então, é a segunda vez que fico responsável pela dramaturgia. A primeira foi no Baú – Lembranças & Brincanças, no qual eu dirigi também. Nessa primeira ocasião, as funções eram complementares, mais próximas. Já no Umbigo não. Tive o trabalho de me distanciar, para cada função. Foi mais difícil. No Baú, a dramaturgia foi criada quase toda em sala de trabalho. No Umbigo, bastante coisa foi criada nos ensaios, mas eu tive a oportunidade de escrever mais. Tive mais esse trabalho prévio de escrever cenas, canções, situações para serem improvisadas. Foi um processo diferente.



Fábio: E os próximos projetos?

Castilhos: Agora é focar na estreia do Umbigo. Já fizemos alguns ensaios abertos com público e a recepção foi muito legal, mas estreia é estreia! Então é o momento de utilizar toda a energia possível para essa reta final. E sentir como vai ser a troca com o espectador, com os espaços que vamos apresentar. Ah, tem o aniversário de 8 anos do grupo, que comemoramos em junho e que a estreia do Umbigo já faz parte das comemorações. Em junho faremos apresentações dos nossos dois espetáculos infantis: O Homem Mais Sério do Mundo e O Baú – Lembranças & Brincanças, além de outras atividades. Então é isso, focar nessas duas coisas.

Fábio: E o que tu destacarias no Umbigo?

Castilhos: Que pergunta difícil, hein? Não sei, o espetáculo como um todo, chegamos num resultado que me agrada muito. Porém, se tem que destacar alguma coisa, eu destaco então as músicas, o espetáculo é quase um musical (risos), destaco também os figurinos da Margarida (Rache), que são um espetáculo à parte. E as minhas cenas, é claro!

Fábio: Imaginei... (Risos) Muito obrigado por conceder essa entrevista, foi um prazer!


Castilhos: Que isso, o prazer foi meu!

terça-feira, 13 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Caroline Falero

SUJEIRA DE UMBIGO – De pesquisador a objeto de pesquisa

Nossa pesquisa para o espetáculo UMBIGO, começou no final de 2012. EU mostrei interesse em assumir a posição de diretora, principalmente porque definimos que o próximo trabalho seria para a rua. Esta linguagem ME fez querer muitas pessoas em cena, trabalhando a boa e velha comédia que é marca registrada do Grupo Trilho de Teatro Popular e uma das características mais marcantes na MINHA atuação. A posição de diretor nos dá a possibilidade de propor um tema ao grupo. Na MINHA cabeça estava muito presente a corrupção, mas não era bem sobre isso que EU queria falar, não era esse o tema. Corrupção era a consequência. 

Comecei a pensar no que leva as pessoas a cometer – primeiramente - grandes atos egoístas, como usar para si o dinheiro de fiéis, como roubar dinheiro público, como matar famílias em um acidente de trânsito por estar alcoolizado ao volante, por exemplo. Pensava nessas situações, mais abrangentes, e as tentava contextualizar para entender como aconteciam e por que aconteciam. Sobre os pequenos atos egoístas, há tantos na rua que ME irritam profundamente, me pego bufando e observando na Voluntários da Pátria as diversas figuras, o ritmo individual, “cada um no seu cada qual”, nos seus celulares, nos seus carros... eu também estou no meu celular, eu atrapalho um pouco mais o fluxo quando paro para refletir sobre tudo isso na rua lotada de gente. Nas conversas em grande grupo, chegamos ao EGOÍSMO como o objeto de pesquisa e ao universo dos editais de financiamento para conseguirmos alguma verba para montagem. EU ia experimentando escrever sobre esse novo trabalho e pensava: tô tirando do meu umbigo toda essa “filosofia” inicial.



Em novembro de 2012, começamos a nos encontrar para conversas, sessões de filmes, músicas, textos teóricos e teatrais. Em 2013, o trabalho prático foi intenso. Os atores elaboraram inicialmente cenas sobre egoísmo e os músicos composições sobre o tema. Eu parti da improvisação de situações egoístas, pois tínhamos muitas cenas que vinham de imagens, temas, lugares, objetos, além de cenas e músicas escritas por Fábio Castilhos. A visão inicial do espetáculo era como um panorama de diversas situações egoístas, sem protagonistas e sem uma cronologia definida. Trabalhávamos com a ideia da história de uma cidade, mas nada tinha foco e era difícil amarrar todo o material numa lógica dramatúrgica. Foi quando definimos os quatro personagens principais (Ricky da Silva, José Arésio, Mary Maravilha e Joana de Calcutá) e suas trajetórias que conseguimos evoluir na montagem.

A direção foi um grande desafio, queria estar mais como organizadora do material, experimentado em sala de trabalho, do que elaborar uma ideia partindo da minha visão, afinal falávamos sobre egoísmo, então não queria que nada partisse de mim e sim do grupo. Ao mesmo tempo, a responsabilidade de fomentar a criação desse material cênico era minha e me sentia extremamente insegura em relação às escolhas que fazia. Foi doloroso. É contraditório, pois quando estou atuando me sinto à vontade para pensar em elementos da direção e quando estou dirigindo minha visão de atriz é o que prevalece na forma de dirigir. Dos conflitos me lembro da parceira de grupo e amiga Melissa Dornelles dizendo: acho muito bonito essa tua ideologia de todo mundo pegar junto, mais cai na real, se tu não tomar a rédea esse trabalho não vai acontecer. Foi duro ouvir isso, mas foi importante entender que o egoísmo nunca estaria distanciado, nossas atitudes egoístas ao agir seriam mais um desafio ao longo de tudo e alguém tinha que manter a “casa em ordem”.

O maravilhoso disso tudo – há quem possa achar masoquista – é que foi um ano e meio de pesquisa para essa comédia construída do conflito e da dúvida. A única certeza é que se tratava de uma pesquisa sobre o egoísmo. O egoísmo reinava em tudo e em todos e fico orgulhosa de ver um resultado que tão bem representa esse longo processo - de pesquisadores passamos a objeto de pesquisa. O trabalho traz à cena, através de uma parábola irônica e bem humorada, nosso conflito egocêntrico durante a montagem e situações e personagens egoístas em uma cidade fictícia onde todos pensam no próprio umbigo.
Ainda bem que é faz de conta, né?  


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Meu Umbigo - por Daniel Gustavo

Oi! Como todos os processos de criação do Grupo Trilho em que participei, o Umbigo foi (está sendo) longo e repleto de momentos.  Esta característica tão nossa me dá a nítida sensação de que o trabalho se confunde com a tua vida, de que teu prazer está aliado ao fazer artístico e de que tua existência depende daquilo que levas à cena. Na minha opinião, ponto pra nós! Já não há criação sem crise e entrar em processos de dúvida faz parte do meu crescimento.

Não posso dizer que tenho sido muito ativo na concepção teórica e na construção da dramaturgia e, por outro lado, compreendo cada vez mais o que fazemos na medida em que encenamos nossos ensaios para as paredes vazias de uma sala ou, no máximo, para o olhar atento da direção. Sigo pela prática e tenho um modo todo pragmático de atuar.



Creio que nosso espetáculo vai para rua numa expectativa de se completar no durante, sentindo o ventinho do não haver três ou quatro paredes ou a presença dos ruídos da cidade de todos. Também creio que tenhamos optado pelo riso, pelo tempo cômico , para dar o nosso recado e de que essa opção nos exige a resposta do público real. Em nossos ensaios abertos, percebemos o que funciona, mas acho que nem sempre seremos felizes...faz parte. E falar para mais alguém de carne e osso, dialogando com seus suspiros, bocejos, risadas, coceiras, respiros, distrações e reações nos dá o poder do aqui e agora em mãos....isso me alegra. 

Assim como me alegra trabalhar com quem trabalho, colegas de anos e músicos de talento que incorporam ao Trilho a busca por um Grupo. Tomara que nosso teatro seja de Grupo realmente. 

Enfim, vamos refletir todos juntos!!! Hoje em dia, não dá mais para ficar passivo e acomodado, mas vou ficar contente em ver cuias de chimarrão na ativa e cangas estendidas para prestar melhor atenção. Uhuuuuu  :o)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Trilho na Usina das Artes

2013 está na sua reta final. Foi um ano maravilhoso para nós. E 2014 já se anuncia como um novo ano de novos trilhos e novas conquistas. Lá vem o Trilho chegando na Estação Usina das Artes, na sala 503, em parceria com Cia Las Brujas e contando com o apoio e participação de amigos da vida e da arte como o pessoal da Casa de Madeira. 

grupo trilho


O grupo que surgiu em 2005, de uma oficina de teatro no bairro Humaitá, teve contato com o saber acadêmico, agregando educação à sua linguagem artística e às atividades complementares que seus integrantes oferecem, agora tem a oportunidade de viabilizar a um grande número de pessoas atividades para o próximo ano. 

Com a ocupação da Usina, será possível realizar e compartilhar dessa bagagem dialética e popular. São 8 anos de Grupo, no Palco, na Rua e em todo lugar! Oficinas, temporadas dos espetáculos de repertório, estreia do primeiro espetáculo de rua e as Trocas no Trilho em parcerias são algumas das atividades que Porto Alegre pode esperar. Estamos radiantes!!!

terça-feira, 23 de julho de 2013

Olhares sobre o Mais Sério - Melissa Dornelles

Relato sobre o processo de montagem do espetáculo O Homem Mais Sério do Mundo.

No início do inverno de 2012, quando estava organizando o primeiro Retiro de Clown no Sítio Colina Verde, meu celular tocou e era o Daniel. É preciso que conte a vocês que o Daniel foi aluno na primeira turma de Iniciação de Clown, para atores, que eu e Ekin abrimos em POA em 2008. Depois da Iniciação, mantivemos um núcleo de pesquisa juntos por um ano. E no final da pesquisa perdemos o contato. Me lembro perfeitamente da sensação de alegria e saudade em ver seu nome no celular. Quando atendi a primeira coisa que ele disse foi: “Vamos trabalhar?”, sem saber exatamente o que ele queria, respondi bem instintivamente: “Claro!!”. Algo dentro de mim me impulsionou a aceitar andar a seu lado em um novo processo criativo, antes mesmo de saber o que faríamos. 

Estar criando com o Daniel era um convite a resgatar nosso trabalho de clown juntos, num momento mais maduro, e com um propósito mais definido. O que ele expressou foi um desejo: realizar um trabalho solo para crianças. Todas as gags, ações e ideias que o Dani trouxe no início do processo, foram criadas em visitas ao hospital, no setor infantil. O hospital foi também minha maior escola com o clown. Era claro então... Queríamos falar sobre cura, curar a nós mesmos. Lavamos nossas almas. Descobrimos caminhos, e chegamos numa estação de trem chamada Trilho. Um dos maiores presentes que este trabalho trouxe na minha vida.

O Homem Mais Sério - Foto Tiago Fuster (3)

Foto: Tiago Fuster


E agora, estamos grávidos!! Em trabalho de parto. “O Homem Mais Sério do Mundo” está nascendo. Este é o fruto de um ano de processo criativo, realizado sobretudo com amor. 

Permeado por muito crescimento, abertura e entrega. Vivemos intensamente cada capítulo desta gestação. Cada passinho. E agora, senhoras e senhores, o espetáculo vem embalado com muito carinho, direcionado para crianças. Elas, que são o futuro da nação. As crianças do mundo de hoje são educadas para se tornarem pessoas muito sérias. Sobretudo bem sucedidas. Afinal o mundo de hoje precisa de homens sérios!! E o que é ser bem sucedido? Ter uma casa, um carro, um bom emprego... E pantufas de tigre!!! Falando sério... O mundo precisa de humor. E de poesia, por favor!!  Este espetáculo é uma ode aos sonhos e a vontade de viver. O mais sério dos homens, quer ter asas e voar. Assim como todas as crianças sabem fazer.



Melissa Dornelles
A mais nova integrante do Trilho

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Olhares sobre o Mais Sério - Daniel Gustavo

Relato sobre o processo de montagem do espetáculo O Homem Mais Sério do Mundo. 


Estávamos os dois, narizes vermelhos e truques espalhados pelos bolsos do figurino, percorrendo os corredores brancos do hospital, quando avistamos um quarto, um menino e muitos tubos e fios. A presença dos palhaços detonou uma euforia, na verdade alegria, reprimida na criança pelas paredes quadradas de sua doença.

Melissa Dornelles e eu resolvemos praticar juntos o que ela já havia experimentado anos atrás e o que eu experimentava há poucos meses: a cura. Seja para o palhaço em cena, para quem acha graça, quem estranha ou quem entra na artimanha toda. Precisávamos conectar com essa necessidade de curar pela alegria, buscávamos poesia, tirá-la à força de todo e qualquer lugar...está em toda parte!

O Homem Mais Sério - Foto Tiago Fuster (2)

Foto: Tiago Fuster

Daí fomos para a sala de ensaio, lembrar da vivência hospitalar o que poderia render um bom caldo e o Mais Sério de todos os homens foi surgindo assim, bem espontâneo, todo meio autobiografia, dando a cara ao tapa em vários momentos. Começou como esquete, virou performance em livraria, apresentou processos em escola pública e espaços alternativos e coloriu festa das crianças em hospital.

Agora, mais maduro, casou-se novamente com o Trilho (pois quem vos fala estava lá no início da ideia de Grupo) na parceria ideal para discutir o social sob a ótica clownesca que a criança acessa sem dificuldades... e os adultos teimam em dizer que só estão ali para acompanhar.


Daniel Gustavo
Integrante do Trilho

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Entrevista Fábio Castilhos por Diego Ferreira

Esta entrevista foi postada originalmente no blog do Diego Ferreira, http://escapeteatro.blogspot.com.br/. Acessa lá que o blog é muito bom, cheio de informações!
1.      Quando e como iniciou a sua trajetória teatral?

Meu primeiro contato foi na escola em 1997. Na sétima e oitava série do Ensino Fundamental a disciplina de artes visuais era substituída pela de teatro. Eu curtia muito aquelas aulas, com a professora Sônia Pellegrino, que infelizmente faleceu. Depois, em 2002, tendo encerrado o Ensino Médio, não passei no vestibular (para Ciências Sociais) e fiquei meio perdido. Quase sem querer me inscrevi num curso de teatro para iniciantes com o Zé Adão Barbosa. Daí em diante não parei mais. 

Fábio A Decisão
A Decisão. Grupo Trilho. Foto: Ana Mendes

2.      Como se deu a sua formação? 

Depois desse primeiro curso com o Zé Adão, entrei no curso de Formação de Atores do Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre) no ano de 2003. Neste curso tive aulas com o próprio Zé Adão, o Luiz Paulo Vasconcellos e a Jezebel De Carli. Através da Jezebel conheci a UERGS, prestei o vestibular e passei. Isso em 2004. Formei-me no curso de Graduação em Teatro: Licenciatura (o curso inicialmente se chamava Pedagogia da Arte) em 2007.

3.      Atuar ou dirigir? 

Os dois! As duas coisas me dão prazer, me divertem. Talvez, daqui alguns anos eu dirija mais do que atue, sempre acho que isso possa acontecer, mas por enquanto isso não me preocupa.  

4.      Qual o papel da universidade na formação de um artista?

Na minha formação foi essencial. Lá eu tive oportunidade de conhecer diversas práticas e teorias. Existe uma metodologia, um caminho. Aí, tu podes escolher qual vai seguir. Porém não é o único caminho. Acho que fora da academia a busca por teoria é mais difícil, a universidade facilita esse acesso. Acho que é isso, a universidade funciona como uma facilitadora, ela te oferece caminhos, possibilidades, mas não basta, tu tens que ir além, ela não te transforma num artista. 

5.      Grupo de Teatro ou Teatro de Grupo? Fale sobre o Grupo Trilho?  

Eu acredito muito no Teatro de Grupo. Na verdade, pouco importa a nomenclatura, o que importa mesmo é como se dá o processo de trabalho, como funciona e são estabelecidas as relações. Eu não consigo pensar o teatro em uma função só. Se estiver atuando quero interferir na luz, no figurino, na dramaturgia, enfim a criação deve ser coletiva. Mesmo que haja funções (diretor, cenógrafo, etc.) elas devem dialogar, sem hierarquia, é o que costumam chamar de criação colaborativa.
            Outra questão que acho importante em um coletivo é que as pessoas acabam criando objetivos muito próximos, laços artísticos. Numa companhia, onde as pessoas são contratadas, os objetivos são muito diferentes, o diretor quer fazer a sua peça, o ator quer “brilhar”, tem muito mais “ego” envolvido. No grupo essa questão do ego fica mais diluída, pois o objetivo é do coletivo e não somente do indivíduo.
            O Trilho é um grupo que migra entre criações coletivas e colaborativas, dependendo do objetivo que temos. Cada integrante tem algumas funções que desempenha, mas nada é absolutamente fechado, do tipo fulano só faz isso, sicrano só faz aquilo. Vamos criando e nos organizando da forma que melhor possamos cumprir os objetivos que traçamos. 

6.      Em 2011 o Grupo Trilho experimentou pela primeira vez direcionar o seu trabalho ao público infantil. Como foi esta experiência, qual foi à premissa? 

Partimos de uma necessidade. De uma não, de várias. A primeira era que quando fazíamos espetáculos no nosso espaço, o Grêmio Esportivo e Cultural Ferrinho, quem ia assistir eram as crianças, elas que insistiam e os pais acabavam acompanhando. Só que as peças eram adultas e até pesadas para elas. Daí pensamos: precisamos fazer algo para essas crianças. Outra necessidade foi que todos nós do grupo também somos educadores e trabalhamos com crianças, enfim vários outros pormenores nos levaram a pensar num trabalho para o público infantil.
E a experiência começou justamente aí. Sabíamos que eu iria dirigir e trabalhar na construção da dramaturgia e que a Caroline Falero e a Giovanna Zottis iriam atuar, e só. Não tínhamos ideia de texto, nem de um tema. Começamos improvisando muitas coisas e aos poucos a peça foi aparecendo. O processo todo durou oito meses. Foi uma experiência incrível, as atrizes se divertiram muito durante o processo, a ideia era essa. Mas eu não. Quer dizer, é claro que eu me diverti, mas teve momentos muito difíceis que eu não tinha a menor ideia de onde aquilo ia parar. Mas foi muito gratificante, por que foi um processo de criação muito livre, que eu tinha muita vontade de experimentar. 

7.      O que o teatro político, Brecht e a periferia do Humaitá contribuíram para a construção da dramaturgia de “O Baú”?  

Contribuíram por que esses elementos estão na nossa gênese, na nossa pele, na nossa alma. Eles são geradores da nossa estética, da nossa ética. Não conseguiríamos fazer uma peça para as crianças que fosse apenas “bonitinha” e “engraçadinha”. De alguma forma nós temos de cutucar o espectador, seja ele adulto ou criança. E eu creio que conseguimos fazer isso. Tanto crianças como adultos saem de “O Baú – Lembranças & Brincanças” com dúvidas, com anseios. O espectador se diverte, mas pensa também. E isso é um grande barato.   

8.      A trajetória do Trilho e a tua são marcadas pela presença do teatro político sendo influenciado pelo teatro e teorias de Brecht. Quando descobriu Brecht e qual a real importância dele no seu trabalho e na sua identidade? 

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As Criadas. Direção Bruna Immich. Foto: Kiran

Descobri de fato o Brecht durante o segundo semestre na Uergs. Eu fui morar em Montenegro e vivia para o curso. Virei rato de biblioteca. Li todas as suas peças. Li inicialmente como um curioso, mas desde o inicio eu me interessei muito pela sua obra. Ele tocava em assuntos que me interessavam, e que até então eu não tinha visto muito no teatro. Aos poucos fui me aprofundando mais sobre o seu trabalho, suas teorias. Não sou um especialista em Brecht, tenho muito ainda que conhecer sobre o seu trabalho, mas ele realmente me instiga e me interessa.  

9.      O grupo Trilho carrega em seu nome “Teatro Popular”, ou seja, Grupo Trilho de Teatro Popular. Como você enxerga e pratica este “teatro popular” dentro do grupo e como define este termo em seu trabalho. Quais questões políticas, estéticas ou sociais permanecem na cena atual?  

Bom, teatro popular é um termo bem complexo e até perigoso, pois ele pode significar muitas coisas. Dentro do Trilho, é até bem claro o porquê dele no nome. É “popular” primeiro por que trabalhamos na periferia de Porto Alegre. Em segundo lugar por que pensamos em ações que tenham um cunho sócio-político, que a arte tem como função colocar em dúvida esse sistema desigual em que vivemos, criticá-lo nos mais diversos âmbitos da sociedade. Acho que tem uma frase do Brecht que resume muito bem essa questão: “A arte deve optar, pode se transformar no instrumento de alguns que diante da maioria assumem um papel de deuses e do destino ou pode aliar-se a grande maioria transformando-se em arma a serviço do povo”. A nossa estética, poética e ética está totalmente interligada com esse pensamento.           

10.  Como se dá o processo de trabalho do Grupo Trilho? Quais são suas principais influências?  

Como eu disse anteriormente o processo de trabalho do grupo é meio mutante, se modifica na medida em que achamos necessário, mas sempre democrático, sem estabelecer hierarquias, baseado no coletivo. É claro que algumas coisas vão se estabelecendo naturalmente. Um exemplo é justamente as influências do Trilho. A sua principal influência é o Bertolt Brecht, mas cada integrante carrega consigo as suas influências, que acabam afetando os outros integrantes, numa reação em cadeia. E nessa amálgama toda vou citar alguns nomes que me influenciam e que de alguma forma influenciam o Trilho também: Grotowski, Peter Brook, Augusto Boal, Oduvaldo Vianna Filho, Oi Nóis Aqui Traveiz, Cia. do Latão. 

11.  Quais profissionais gaúchos e nacionais tu destacaria, que contribuem para um teatro mais forte e engajado? (Ator/atriz, diretores, teóricos, etc...) 

Bom, pensando em engajamento, que, aliás, é uma palavra que eu não gosto, prefiro crítico, na cena gaúcha não poderia deixar de citar o “Oi Nóis Aqui Traveiz”. Outros grupos muito bacanas são a “Cia. do Latão”, “Brava Companhia”, “Teatro Máquina”. O Sérgio de Carvalho, que é diretor da Cia. do Latão, pode ser citado como um grande teórico também. Assim como a Iná Camargo Costa, a Stella Fisher (que é atriz também), a Ingrid Koudela.  

12.  Falando em política... Como você vê as políticas públicas voltadas para o incentivo da cultura em âmbito municipal, estadual e federal?   

É ruim, já foi pior, ainda tem muito que melhorar. Falta investimento, falta um critério de avaliação melhor formulado, falta diversificar as áreas de atuação, os repasses não podem atrasar, a “burrocracia” deve ser diminuída, os incentivos fiscais devem ser repensados, enfim, num país onde pessoas morrem de fome, morrem em filas de hospitais, que a educação pública é sucateada e que políticos roubam a vontade e ficam impunes, já era de se esperar que a cultura ficasse relegada ao décimo plano.  

13.  Como você enxerga a atual cena gaúcha? Quais grupos e cias têm desenvolvidos projetos bacanas e o que falta para o teatro gaúcho? 

Bastante diversificada e em expansão. Grupos do interior ganhando força como o Teatro do Clã de Montenegro e o Ueba Produtos Notáveis de Caxias, só para citar dois. Já em Porto Alegre temos alguns grupos que vem desenvolvendo um trabalho continuado que merecem atenção, alguns antigos, outros mais novos, como o Oi Nóis, a Santa Estação, o Teatro Sarcaústico, a Cia Rústica, o Grupo Mototóti, entre outros.
O que falta é os trabalhos serem mais bem aprofundados. Até por uma questão de mercado, monta-se muito rápido um trabalho, a peça cumpre uma, duas temporadas no máximo, circula durante um ano (quando muito) e deu, acabou. Vem outro prêmio para montagem e o ciclo recomeça. Não há trabalho que consiga ter um aprofundamento maior. É um problema dos financiamentos, que geralmente são para montagem e pouco para circulação ou fomento de um grupo.  

14.  Ano passado o espetáculo “O Baú – Brincanças e Lembranças” teve grande aceitação do público e critica e indicado ao Prêmio Tibicuera e você foi premiado como Diretor e Dramaturgo. Como você recebeu estes prêmios e se prêmios como este ajudam em alguma coisa? 

Eu fiquei muito feliz e surpreendido com os prêmios. O prêmio de dramaturgia até tinha uma esperança, mas diretor eu era o azarão. Quando a gente começa um trabalho não pensa em prêmios, se vai agradar, se está adequado para isso. Porém ganhar um prêmio é muito bom, dá um “selo de qualidade” para o trabalho, é um reconhecimento. O grupo ficou um pouco mais conhecido, a peça, e eu também. Sabe que depois dos prêmios muitas pessoas, amigos, conhecidos, já fizeram essa pergunta, e eu sempre respondo brincando: “Antes eu era um Zé-Ninguém... Agora eu sou um Zé-Ninguém premiado!” 

15.  Quais os teus próximos projetos junto ao Trilho? Nova temporada e novos espetáculos? 

O principal objetivo por enquanto é fazer o Baú circular. Temos uma nova temporada no Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cultura Mario Quintana (26/05 a 24/06, sábados e domingos, 16h) e algumas apresentações agendadas.
Estamos tentando manter uma tradição que é no aniversário do Ferrinho fazermos uma programação de apresentações lá no espaço, que batizamos de “Estação Ferrinho”. Em 2010 foi muito bacana, foram 5 dias de apresentações, seminário, coquetel, show de música. 2011 estávamos em plena temporada e não conseguimos fazer um evento tão grande, mas não deixamos passar em branco. Este ano queremos retomar pelo menos os mesmos 5 dias de 2010.
E também estamos treinando algumas vezes, lendo coisas, com calma, talvez daí surja algo novo. Por enquanto novo espetáculo mesmo só no plano das idéias, não temos ainda uma previsão para um novo trabalho.   

16.  O que te faz ESCAPAR tratando-se de teatro?  

Assistir a uma boa peça, estar num processo de criação e participar de uma boa oficina de teatro. Aí eu escapo, pra bem longe! 

17.  Alguma vez já pensou em desistir? 

Já, muitas vezes. Mas daí me dou conta que não sei fazer outra coisa, então desisto de desistir.  

Cleo e Clea
Cleo e Clea. Direção Heitor Schmidt

18.  Futuro?

Estar com o Trilho, bem constituído, com o nosso espaço, o Ferrinho, a pleno vapor, dirigindo, atuando, escrevendo, ensinando, aprendendo. Tenho vontade também de experimentar outras linguagens, como cinema e dança e tudo mais que esse tal futuro possa me reservar.  

19.  Gostaria de deixar algo especial para encerrar esta entrevista?  

Gostaria de agradecer muito o teu convite, foi uma experiência muito legal. Quem quiser conhecer mais sobre o Trilho, acessa www.grupotrilho.com.br

E pra finalizar uma frase do mestre Bertolt: “De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida”.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Experiência no Madre Pelletier - Crônica de Ana Campo

"ELES MATARAM A POLÍCIA"

Chico Buarque no rádio, maquiagem espalhada na mesa, vinho no gargalo. Só poderia ser a preparação de um grupo de atores para entrar em cena. Nosso entrar em cena, nem sempre é um "entrar em cena", pode haver algum longo trajeto até nosso espaço de apresentação, nossos camarins já foram a rua, o sindicato, a Assembleia Legislativa, a universidade federal, uma escola, e alguns deles ficavam até em teatros. Nada anormal se fosse para um grupo de teatro de rua, o que não é nosso caso.

Desta vez nosso ponto de encontro foi um belo lugar localizado no bairro agora Farroupilha (cá entre nós, Santana). Solícito e solidário como sempre, Roberto do Comitê Latinoamericano só não abriu as portas porque eu estava com a chave há tempos, neste "bar politizado", ele já me aguentou encenando, cantando, dançando, discursando, bebendo, reclamando da bebida e a última coisa que esperava é ver duas viaturas da SUSEPE estacionar na porta do local para transportar a trupe.

Nesta ocasião seríamos as estrelas (nada daquelas algemas nem do "porta malas" nada anatômico da apresentação contra o aumento da passagem de ônibus), o Grupo Trilho de Teatro Popular apresentaria seu teatro na Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Recebi os motoristas com um charuto aceso numa mão e uma garrafa com vinho na outra, devem ter achado que éramos um bando de artistas pequeno-burgueses loucos para começar a revolução tomando a bastilha, infelizmente somos todos assalariad@s e a maioria disponibilizou o turno em que não trabalha, meu chefe me liberou com esperanças de que finalmente não me deixassem sair do presídio...


Já na casa prisional fomos conduzid@s a um espaço bem organizado e amplo que inclusive dispunha de pequeno palco, do qual prescindimos pois nosso teatro é sempre olho no olho e nosso distanciamento é brechtiano e não espacial. Mal havíamos começado o ensaio musical e uma agente adentrou a sala trazendo o público, interrompemos e nos posicionamos para começar "A Decisão", peça didática de Bertolt Brecht, como bem anuncia Adriana no prólogo, que traz quatro agitadores soviéticos e um jovem camarada chinês em meio à visceral polêmica sobre os métodos revolucionários e a cruel contra revolução.

A expectativa do grupo para aquela apresentação, a expectativa das mulheres que nos assistiriam, nos arrebatou uma fala que outra e nos levou a algum erro cênico que não cometemos facilmente. Os olhos de Giovanna brilharam durante toda a apresentação, mas por sorte os colegas não me aprontaram o mesmo que na apresentação feita há um ano para crianças em situação de risco (leia-se expostas à pobreza e sua violência) em São Leopoldo, quando me deparei com todos chorando já na primeira cena. 

A Decisão é cheia de falas conceituais e muitas delas com entendimento restrito, a uma determinada época vivida por países marcados por momentos revolucionários ou formalizado de quem é estudioso. Foi escrita para ser realizada por militantes operários na Alemanha de 30. Nosso desafio é, desde sempre, compreendê-la e apropriar-nos da capacidade do teatro de mostrar-se por vias próprias, únicas. 

Depois da formalidade e contenção dos primeiros atos, as primeiras risadas, os primeiros comentários mútuos sobre as cenas que nos chegavam aos ouvidos como burburinho e os quais cessaram quando a agente que à distância acompanhava, reprimiu com sinal de silêncio as reações espontâneas. A quietude foi total e não repreendeu somente as mulheres sob sua autoridade  mas chocou a nós cuja atuação depende muito da comunicação e reação do público e nunca havíamos visto um moderador de humores em nossas obras para adultos. 

A cena mais esperada por nós e que, sabíamos, mais surpreenderia as detentas, era a "4" em que o policial que reprime trabalhadores numa fábrica - personagem brilhantemente construído e encenado por Carol - é morto durante uma briga. A fala dos operários envolvidos na briga: nós matamos um policial,  foi antecipado por uma das mulheres: eles mataram a polícia. 

A  música, componente essencial da peça, tem arranjos inspiradores nos quais Baiano e Gabriel  são um espetáculo à parte com violão, bandolim, xilofone e pequenos instrumentos dos mais variados, e é durante a trilha sonora que eu abandono a agitadora contida e ponderada e evoco uma Ana sinuosa que aflora com a dança. Em meio a quebras de quadril e olhares provocadores fitei pares de olhos pintados e algumas caras bonitas que com certeza já experimentaram - por idade ou malícia - a sensualidade muito mais que eu, mas os olhares que encontrei deixavam  claro que minha sensualidade ali estava em ser livre, em fazer o que gosto, o que acredito, em não estar maculada socialmente, minha sensualidade, ali, humilhava. Terminada a apresentação em nosso habitual debate sobre a peça, uma delas pediu o violão, eu ofereci o violão e o violonista, deixei Gabriel roxo de vergonha e para trás aquela impressão de que, naquele momento, as atrizes éramos mulheres e elas apenas detentas.    

Durante o debate, uma das primeiras perguntas, justamente feita pela moça que pediu o violão, foi "se nós éramos mesmo comunistas", a do lado perguntou se é muito difícil a batalha dos atores até conseguir fazer uma novela. Os graus de alienação e consciência se assemelham e reproduzem a sociedade além grades. As perguntas não pararam por aí e continuavam sobre o texto, sobre a dificuldade de sua linguagem, sobre os atores, sobre a interpretação. Ao responder um dos questionamentos Dani disse estarmos um pouco apreensivos antes da apresentação, rapidamente uma mulher interviu indagando se essa "apreensão" se devia ao fato do local ser um PRESÍDIO. Esclarecemos que nossa angústia se devia ao tempo reduzido que tivemos para ensaiar desde que a data foi marcada, cujo fator era agravado pela falta de um ator sem o qual tivemos que alterar o roteiro. Saber que faríamos nosso teatro, que é político, pedagógico, social e nossa bandeira em defesa da justiça e da alegria, para pessoas que vivem privadas de liberdade não era angústia, era diferente, era uma emoção inusitada, inédita.

A responsável pela ponte Madre Pelletier - Grupo Trilho foi Maynar, amiga, uruguaia, siamesa na forma e no signo. Maynar viu "A Decisão" pela primeira vez em temporada no Teatro de Câmara de Porto Alegre, à época gostou e comentou, Fábio gostou do comentário dela e então estavam apresentados ela e o grupo. Psicóloga estagiária sempre colocou suas teorias em prática e através dela eu já havia participado de oficina sobre Escrita no semi-aberto feminino. Na Madre conhecemos Simone, a vice-diretora com a qual projetamos a volta e Faltemara, psicóloga, futura mãe de Lorenzo, mais conhecida como FAL (Fuzil Automático Leve), não por milica e sim por perpicaz e certeira nas conotações. 


Ao despedir-me lhes disse que voltaríamos, mas que bruta eu, uma delas saltou:

 - Espero não estar mais quando voltarem. 

Ana Campo
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