SUJEIRA DE UMBIGO – De pesquisador a objeto de
pesquisa
Nossa pesquisa para o espetáculo UMBIGO, começou no
final de 2012. EU mostrei interesse em assumir a posição de diretora,
principalmente porque definimos que o próximo trabalho seria para a rua. Esta
linguagem ME fez querer muitas pessoas em cena, trabalhando a boa e velha
comédia que é marca registrada do Grupo Trilho de Teatro Popular e uma das
características mais marcantes na MINHA atuação. A posição de diretor nos dá a
possibilidade de propor um tema ao grupo. Na MINHA cabeça estava muito presente
a corrupção, mas não era bem sobre isso que EU queria falar, não era esse o
tema. Corrupção era a consequência.
Comecei a pensar no que leva as pessoas a
cometer – primeiramente - grandes atos egoístas, como usar para si o dinheiro
de fiéis, como roubar dinheiro público, como matar famílias em um acidente de
trânsito por estar alcoolizado ao volante, por exemplo. Pensava nessas
situações, mais abrangentes, e as tentava contextualizar para entender como
aconteciam e por que aconteciam. Sobre os pequenos atos egoístas, há tantos na
rua que ME irritam profundamente, me pego bufando e observando na Voluntários
da Pátria as diversas figuras, o ritmo individual, “cada um no seu cada qual”,
nos seus celulares, nos seus carros... eu também estou no meu celular, eu atrapalho
um pouco mais o fluxo quando paro para refletir sobre tudo isso na rua lotada
de gente. Nas conversas em grande grupo, chegamos ao EGOÍSMO como o objeto de
pesquisa e ao universo dos editais de financiamento para conseguirmos alguma
verba para montagem. EU ia experimentando escrever sobre esse novo trabalho e
pensava: tô tirando do meu umbigo toda essa “filosofia” inicial.
Em novembro de 2012, começamos a nos encontrar para
conversas, sessões de filmes, músicas, textos teóricos e teatrais. Em 2013, o
trabalho prático foi intenso. Os atores elaboraram inicialmente cenas sobre
egoísmo e os músicos composições sobre o tema. Eu parti da improvisação de
situações egoístas, pois tínhamos muitas cenas que vinham de imagens, temas,
lugares, objetos, além de cenas e músicas escritas por Fábio Castilhos. A visão
inicial do espetáculo era como um panorama de diversas situações egoístas, sem
protagonistas e sem uma cronologia definida. Trabalhávamos com a ideia da
história de uma cidade, mas nada tinha foco e era difícil amarrar todo o
material numa lógica dramatúrgica. Foi quando definimos os quatro personagens
principais (Ricky da Silva, José Arésio, Mary Maravilha e Joana de Calcutá) e
suas trajetórias que conseguimos evoluir na montagem.
A direção foi um grande desafio, queria estar mais
como organizadora do material, experimentado em sala de trabalho, do que
elaborar uma ideia partindo da minha visão, afinal falávamos sobre egoísmo,
então não queria que nada partisse de mim e sim do grupo. Ao mesmo tempo, a responsabilidade
de fomentar a criação desse material cênico era minha e me sentia extremamente
insegura em relação às escolhas que fazia. Foi doloroso. É contraditório, pois
quando estou atuando me sinto à vontade para pensar em elementos da direção e
quando estou dirigindo minha visão de atriz é o que prevalece na forma de
dirigir. Dos conflitos me lembro da parceira de grupo e amiga Melissa Dornelles
dizendo: acho muito bonito essa tua ideologia de todo mundo pegar junto, mais
cai na real, se tu não tomar a rédea esse trabalho não vai acontecer. Foi duro
ouvir isso, mas foi importante entender que o egoísmo nunca estaria
distanciado, nossas atitudes egoístas ao agir seriam mais um desafio ao longo
de tudo e alguém tinha que manter a “casa em ordem”.
O maravilhoso disso tudo – há quem possa achar
masoquista – é que foi um ano e meio de pesquisa para essa comédia construída
do conflito e da dúvida. A única certeza é que se tratava de uma pesquisa sobre
o egoísmo. O egoísmo reinava em tudo e em todos e fico orgulhosa de ver um
resultado que tão bem representa esse longo processo - de pesquisadores
passamos a objeto de pesquisa. O trabalho traz à cena, através de uma parábola
irônica e bem humorada, nosso conflito egocêntrico durante a montagem e
situações e personagens egoístas em uma cidade fictícia onde todos pensam no
próprio umbigo.
Ainda bem que é faz de conta, né?
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