Em 2009 o déficit de policiais militares no estado chegava a dois mil. Este ano, houve notório reforço do quadro da Brigada, a maneira pela qual nos damos conta deste aumento é, infelizmente, na verdadeira faxina social que vem ocorrendo na cidade de Porto Alegre. Na Cidade Baixa, bairro no qual resido, intervenho, consumo, passeio, os moradores em situação de rua foram vaporizados, restando alguns poucos, aqueles que, por desgraça, ganham visibilidade que os “blinda” de abordagens policiais como é o caso do senhor pixado enquanto dormia na Rua Lobo da Costa recentemente.
Mas não somente a parcela passiva da miséria é alvo deste operativo velado, a produção cultural popular, sua reflexão e crítica precisa ser removida da programação da cidade que, em 2014, deverá estar em condições cinematográficas para transmissão do maior espetáculo da terra produzido pelo novo Vaticano dos tempos neoliberais: a FIFA .
O campo deve ser preparado para o jogo lúdico da confraternização dos povos e, como os milhares de aparelhos de TV de plasma que serão vendidos para contemplar tal exibição dispõem de alta definição na imagem, é melhor garantir que tudo esteja no seu devido lugar. O futebol? Equivocam-se os que dizem que ele aliena o povo, ele foi alienado do povo e transformado em fábrica de lucro. O futebol será mero tema da Copa. Na África do Sul, a “Santa Inquisição” da Federação instaurou suas leis e premissas para o evento, resultando em alguns indivíduos condenados a uma década de prisão pelo roubo de uma carteira, moças promotoras de marca de cerveja concorrente da cerveja anunciante oficial, detidas pela policia...
A reconfiguração do que aparece no cenário urbano é vital para o espetáculo de 2014, e esta vai desde a ampliação meramente arquitetônica do HPS - que carece de setenta médicos e mais de uma centena de técnicos - ignorando completamente as necessidades dos moradores da zona sul de Porto Alegre urgentes de um hospital na região, até o enquadramento da cultura produzida na cidade, mais precisamente quando esta não se presta à exaltação folclórica do que convém ao espetáculo. O recado é claro, esta cidade será contada pelas empresas patrocinadoras da Copa, portanto, parafraseando Chico, artista: Cálice!
Ao meio-dia desta quarta-feira, a Rede Brasileira de Teatro de Rua /RS, realizou a abertura de uma tarde de espetáculos de rua em manifestação contra as recentes repressões protagonizadas pela polícia contra artistas no centro da cidade. Os Diálogos na Esquina inaugurados hoje terão prosseguimento com o objetivo de denunciar estas ações abusivas e retomar o caráter democrático da Esquina, este espaço público será reivindicado de maneira orgânica fazendo jus à sua história e não simplesmente romantizado como “museu” de luta por democracia para turista ver.
Ah, o argumento... O argumento alegado para tais ações é sempre defender o direito de ir e vir da população, o qual os artistas cerceariam. Ora, se há algo de significante que cerceie o direito de ir e vir de grande parte da população desta cidade é o valor astronômico do transporte urbano, um dos mais caros da América Latina (!), que impossibilita inclusive, o acesso à cultura, popular, folclórica, crítica ou acrítica.
Ana Campo
Colaboradora do Grupo Trilho
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