terça-feira, 24 de maio de 2011

Os Dez Equívocos do Teatro Infantil - Dib Carneiro Neto

Dib Carneiro Neto é jornalista, crítico e dramaturgo. Autor das peças "Adivinhe Quem Vem Para Rezar", "Depois Daquela Viagem" e "Salmo 91". 

1) Excesso de intenções didáticas - Não é preciso ser explícito, criança é capaz de entender sugestões, simbologias. Arte é feita de alegorias, de metáforas. Estranheza é saudável. Criança tem capacidade de interpretar o que vê.

2) Uso de humor fácil e grosseiro - Muitos autores lançam mão de bordões televisivos para fazer a platéia rir ("da hora", "fala sério", "faz parte"). Isso cria no autor um falso retorno de aprovação do humor da peça. Essa facilidade de recorrer a bordões chulos e vazios da TV é um recurso pobre, que só escancara a incapacidade do autor de criar situações engraçadas por elas mesmas.

3) Excesso de efeitos multimídias - Muitos autores ficaram com idéia de que, para atingir o jovem no teatro, basta levar para o palco os recursos tecnológicos a que esse jovem está acostumado a lidar, ou seja, a linguagem de videoclipe, a rapidez da internet, as cenas pré-gravadas em vídeo e exibidas em telões em cima do palco. Mesclar linguagens artísticas diferenciadas é uma atitude até coerente com o universo adolescente. Mas abusar disso é lamentável e afasta os autores das especificidades da carpintaria dramatúrgica.

4) A obsessão pela lição de moral - Teatro infantil não tem a obrigação de encerrar em si uma bela lição construtiva. Em vez do dedo em riste e da lição de moral, vale mais a pena, e é até mais honesto, tentar contar livremente uma história e deixar que a criança se identifique, que a criança a vivencie por si mesma. Não é necessário invadir o imaginário da criança com regras de conduta.

5) Edulcoração dos contos de fadas - Os contos de fadas nasceram muito mais realistas, muito mais cruéis do que eles são hoje. Hollywood e os estúdios de Walt Disney transformaram tudo em final feliz, valorizando excessivamente o triunfo do amor e da bondade. Reduziram o poder transformador de um conto de fadas, minando neles a capacidade de fazer uma criança amadurecer. Um conto de fadas oferece significados em muitos níveis diferentes e enriquece a existência da criança em muitos modos.

6) Participação forçada da platéia - Até hoje, muitos autores de teatro infantil reproduzem aquela velha cena em que um personagem se esconde do outro e quem procura se dirige à platéia com a infalível pergunta: "Pra onde ele foi?" A garotada e até os pais entram no jogo e lá se vão uns dez minutos de "Foi pra lá", "Não, foi por ali", "Agora, está aqui" e assim por diante. O autor fica feliz porque acha que conseguiu promover uma interação do espetáculo com o público. Quem foi que disse que, para estar interagindo com o espetáculo, uma criança tem de berrar, sapatear, gritar? O profundo silêncio de uma platéia, muitas vezes, é a maior prova da interação, da comunicação com o espetáculo.

7) Obsessão pela segmentação - Existe hoje uma tendência mercadológica castrante e limitadora, que segue distribuindo rótulos em profusão às manifestações artísticas, enquadrando tudo em faixas etárias, dividindo o mundo em categorias fechadas, acomodando a arte em gêneros estabelecidos. Teatro infantil é, antes de tudo, teatro. E como tal, no máximo, pode ser classificado por sua boa ou má qualidade.

8) Uso abusivo e despreparado da linguagem dos clowns - Proliferam pelos palcos montagens em que os autores encaixam uma bola vermelha na ponta do nariz e acham que isso, por si só, já faz um espetáculo teatral. A linguagem do clown é difícil, especializada, deve ser trabalhada com rigor, com muito critério e criatividade. As crianças são submetidas no palco a típicos shows de palhaços de festinhas de aniversário e os pais saem achando que levaram o filho ao teatro infantil. Isso também vale para os espetáculos de bonecos. Não bastar comprar fantoches no loja da esquina e montar um espetáculo. Artistas estudam anos e anos para entender da arte de manipulação de bonecos.

9) Diálogos mal escritos e ineficientes - Dramaturgia é antes de tudo literatura e, por isso, deve ter todos os compromissos com a profundidade e a criatividade da literatura, sem perder o pé da oralidade. O discurso teatral é uma expressão artística que tem de ser encarada com responsabilidade, porque o texto dramático tem a capacidade específica de reproduzir as falas sociais, as aspirações, os sonhos e as esperanças. Peça infantil com diálogos descuidados, frases mal construídas, idéias truncadas, é um mau teatro.

10) Mercantilização do espetáculo teatral - Há quem não seja tão rigoroso com relação a esse aspecto, mas realizar sorteios de produtos no final dos espetáculos é um desvirtuamento da função do teatro, é um mercantilismo desnecessário. A criança tem de levantar da poltrona concentrada no que viu, na arte que desfilou pelo palco o tempo todo e não preocupada se o número de sua poltrona vai ser o número sorteado para ganhar os brindes. Teatro não é programa de auditório.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Forma e Conteúdo

O Senhor K. contemplava uma pintura que demonstrava alguns objetos de formas muito caprichosas. Ele disse: "A alguns artistas, quando contemplam o mundo, acontece o que acontece a muitos filósofos." No esforço pela busca da forma, perde-se o conteúdo. 

Eu trabalhei certa vez com um jardineiro. Ele me pôs nas mãos uma tesoura de poda e me disse que podasse um pé de louro. A árvore estava plantada num vaso e era emprestada para solenidades. Para isso, tinha de ter a forma de uma bola. 

Eu começei cortando logo os galhos revoltosos, mas apesar de me empenhar muito, não lograva alcançar que tivesse uma forma circular satisfatória. Ora cortava muito dum lado, ora do outro. Quando enfim pude fazer com que se tornasse uma bola, a bola era muito pequena. 

O jardineiro disse desiludido: "Muito bem, isto é a bola, mas onde está o pé de louro?"

(Histórias do Senhor Keuner, Bertolt Brecht)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A infância de hoje

No dia 1º de fevereiro, nós do Trilho, começamos um novo processo de trabalho. Na verdade o processo já havia iniciado antes, mais ou menos uns seis meses antes. Sentiamos a necessidade de montar uma peça dirigida ao público infanto-juvenil e começamos a amadurecer essa ideia. Fiquei eu a cargo da direção do espetáculo, então começei a pesquisar mais o universo infantil.

Dentre vários filmes, documentários, livros, hoje vou recomendar dois trabalhos, dois documentários que se pode encontrar no Youtube. São dois filmes que falam do universo da infância inseridos nesse nosso sistema sócio-econômico extremamente desigual. São eles: "A invenção da infância" (2000), direção de Liliana Sulzbach, tem 26 minutos de duração, mostra que ser criança não significa necessariamente ter infância.



O segundo é "Criança, a alma do negócio" (2008), direção de Estela Renner, tem 49 minutos de duração e mostra a influência e efeitos da publicidade digirida as crianças.



Dois trabalhos que valem a pena ser vistos para entendermos um pouco mais das crianças de hoje e como o universo do adulto pode destruir o universo infantil.

Fábio Castilhos

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